sábado, 5 de dezembro de 2009

O Original de Laura

Exilado com a família, filho de um pintor russo, Adam Lind era um fotógrafo homossexual de sucesso em Nova York, casado com uma bailarina. A história de Adam, secundária, ilustra os vários aspectos que a obra "O Original de Laura" – o manuscrito inacabado do escritor russo Vladimir Nabokov revelou ao mundo no mês passado. O autor antes de morrer pediu para sua esposa, Vera, que destruísse o manuscrito.

Aparecem infinidades de personagens e circunstâncias sem as quais não se pode compreender a verdadeira dimensão da obra que acaba de vir à luz depois de 32 anos em cofre na Suíça. Como ele mesmo dizia que a vida é "um intricado jogo de encantamento e decepção". Nesse sentido o Original de Laura pode ser considerado a obra-prima de uma vida – ainda que de maneira involuntária.

Escrito a lápis em 138 fichas em 1977, quando o autor se tratava de uma infecção na Suíça. Mais trabalhados estão os 5 primeiros capítulos, que detêm-se em Flora – uma adúltera que acaba sendo personagem de uma roman à clef chamado de Minha Laura, escrito por um de seus amantes. Em seguida vem 2 capítulos provisórios. Depois anotações mais fragmentadas (algumas rascunhos das primeiras fichas): Intervalo Médico e Último Capítulo. Nesse ponto muda o foco para o marido gordo de Flora. No total essas várias situações não preencheria 30 paginas de um livro.

Depois de sua internação a obra começava a nascer. Ao responder a uma enquete sobre os melhores livros do ano, o escritor listou uma obra sobre borboletas, o Inferno de Dante e um certo Original de Laura. E assim esclarece:

  • "É um romance concluído em minha mente, que devo ter repassado umas 50 vezes, e que continuei lendo em voz alta para um público pequeno no sonho de um jardim murado. Minha audiência consistia de pavões, pombos, meus pais há muito mortos, dois ciprestes, várias jovens enfermeiras agachadas ao meu redor e um médico de família tão velho que chegava a ser invisível. Talvez por causa dos meus tropeços e acessos de tosse a história de minha pobre Laura teve menos sucesso entre os meus ouvintes do que terá, assim espero, com os resenhistas inteligentes, quando devidamente publicada".
Revela que está seriamente doente e morre 6 meses depois em 2 de julho de 1977, de bronquite.

Com a morte de Vera em 1991, esposa do autor, seu filho Dimitri ficou com o destino do manuscrito em suas mãos. Tradutor da obra do pai, cantor profissional de ópera, protótipo de playboy na juventude, ganhando na imprensa italiana o apelido de "Lolito". Durante anos, Dimitri deu a impressão de que nunca revelaria o manuscrito. Mas também não dizia o que faria, mas ficou cada vez mais provocador. Mas seu estado de saúde foi piorando, os custos médicos, complicados com a idade avançada aumentando. A essa altura sinopses de O Original de Laura começaram a vazar. No início de 2008, Dimitri dizia estar "próximo de uma decisão". E Em fevereiro usando seu histórico de visões sobrenaturais, disse que seu pai apareceu em sonho e teria dito: "Você está empacado na mesma confusão de sempre. Vá em frente e publique."

Por uma quantia não revelada fechou-se o contrato com as editoras Alfred A. Knopf, nos EUA e Penguin, na Inglaterra (na edição brasileira, lançada pela Alfaguara). Inquirido sobre seus eventuais interesses monetários, Dimitri ironiza: "É verdade que minha cadeira de rodas precisa de certas modificações para caber no porta-malas da minha Maserati". Dimitri usava uma cadeira de rodas, depois de um acidente em 1980 que sofreu de carro.

Aos 75 anos, Dimitri tem dinheiro para comprar muito mais que um apartamento em Paris. Nabokov não podia imaginar a grandeza que a vida, com seus "encantamentos e decepções", podia emprestar ao O Original de Laura.

O Original de Laura escrito no final da vida por Vladimir Nabokov, é pouco mais que um rascunho. Mas a história do manuscrito – que envolve morte, dinheiro e até fantasmas – é tipicamente nabokoviana.

Origem : Revista Bravo! - dezembro de 2009 - ano 11 nº 148.



O Livro




O Original de Laura de Vladimir Nabokov.
Tradução de José Siqueira.
Editora Alfaguara – 304 páginas – R$ 59,90.

A decisão de publicar as fichas catalográficas foi tomada, e o texto final de Nabokov, preservado. O livro é uma narrativa fragmentada, em que as fichas escritas a mão vão compondo uma história de amor e traição.



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