quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Maria Madalena

a que muito amou

Junto ao lago Tiberíades, pequena multidão reunia-se às suas margens. Figura alta e nobre é a única que fala. Da janela do palácio que se ergue próximo às margens, a jovem de Betânia, vila na encosta do monte da Oliveiras, contempla a silhueta recortada contra o céu sereno, observa seus gestos como de quem abençoa. Sacode a farta cabeleira, que lhe tomba ondulante pelos ombros, realçando seu talhe delicado e esguio. Das palmeiras tem o verde nos olhos rasgados, flexível e altaneiro, o porte. Ela já ouvira rumores sobre o Nazareno. O que pregava o amor e o reino do céu.

Amor... para ele vivia. Mais um pregador. Veio-lhe à mente o outro, o João, preso na fortaleza de Maquerunte, nos arredores do palácio de Herodes. Deste temia o brado selvagem, as vituperações, a aspereza, a rusticidade de filho do deserto.

Além de mim, só Salomé poderia conquistar essa fera, vestida de couro.

Admira-se frente aos espelhos. Adorna-se com joias, quer deslumbrar no banquete de aniversário de Herodes, que se realizaria mais à noite.

A mansidão das águas espelhadas do lago de Tiberíades desaparece de seus olhos de tigresa. Ressurgem nela os atributos da cortesã sedutora. O brilho do olhar é ardente. Em movimentos coleantes, realçados pelas pregas da túnica grega, faz sua entrada magistral no palácio do soberbo tetrarca da Galiléia.

Não era uma qualquer. Sua família era das nobres da Saducéia, com imensas casas às margens do lago Tiberíades, junto ao palácio do rei Herodes e outra mansão à entrada de Jerusalém. Pertence às gentes de estirpe superior, frequenta os grandes de seu tempo. Está na plenitude de seus vinte e cinco anos, vivendo faustosamente, desfrutando o amor livre, recebendo a corte de inúmeros cortejadores. Soberba, sensual, dominadora, arrogante.

Precoce, senhora de si mesma, vivera entre os cultores do conhecimento de seu tempo, sábios, poetas, escritores. Diziam-na possuída por demônios. Ela preferia a vida palpitante, o doce e embriagador vinho dos amores ilícitos. Foi uma noite memorável. Salomé dançou como jamais o fizera. Insinuante, tentadora, arrebatou a vontade de Herodes, que ordenou-lhe pedisse qualquer coisa e ele a atenderia. Pediu a cabeça de João Batista, que lhe foi trazida gotejando sangue em bandeja de prata. Afirmam os escribas ter sido este pedido insuflado por Herodiades, a adúltera, constantemente apontada pelo pregador. A linda cortesã ficou estarrecida: desde esse momento, é perseguida por angústia crescente, terrível e abandona para sempre a corte do tetrarca.

Perseguem-na as palavras e a figura de João Batista: "O machado já está na raiz, toda a árvore que não der bom fruto será cortada e atirada ao fogo". Medita sobre a vida, sobre a sua fugacidade. Tudo passa, prazeres, mocidade, beleza.

O sereno galileu continuava sua pregações, percorrendo a Galiléia e a Judéia. Esta era-lhe hostil: suas depressões junto ao mar Morto, o solo desértico, areia e pedras produziam almas duras. Jesus devia sentir-se confortado com as suaves encostas revestidas de árvores frutíferas, limoeiros, tamareiras, além da serenidade do lago.

Prega aos desvalidos, aos fracos, aos pecadores, aos pobres. Elegeu os pescadores simples, Simão, de Cefas, a quem impôs o nome de Pedro; Tiago, filho de Zebedeu e, João, seu irmão, e lhes deu o nome de Boanerges, que quer dizer "filhos do trovão"; e a André, Felipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão Cananeu e Judas Iscariotes, que foi quem o entregou. Eram esses os seus escolhidos. A estes dissera:

"Vinde após mim que Eu vos farei pescadores de homens." (Mateus: 4,19)

Entretanto ela se inquieta. "Que mal me aflige?" se pergunta. Parece sempre atenta à silhueta do galileu. Estremece ao pensar nele, invadida por estranha doçura. Sente-se serenar. É interrompida em seus devaneios, por Joana, também da corte de Herodes, mulher de Kouza, o impaciente. Ela falou-lhe de Jesus. Como socorria e curava os enfermos, pregava o amor, a mansidão, expulsava os demônios. Parece que Joana falou da amiga ao Messias, Ele a curou à distância. Os demônios deixaram a bela sedutora. Luxúria, orgulho, ódio, gula, preguiça, mentira, tristeza desapareceram de repente. Ela renunciou ao luxo vestiu-se como as mulheres do povo, um manto ocultava a espessa cabeleira, e sempre que podia ia ouvi-lo, à beira do lago, sequiosa de seu perdão, buscando a esperança.

Então reconheceu-se faltosa, com um passado de pecado. Seu coração encheu-se de arrependimento e chorou pelas ofensas cometidas. Certo dia, do alto do monte, ouviu-o pregar.

Terminando de pregar às margens do lago, Jesus entrou na casa de um certo Simão, o fariseu. Estando ele cercado por muitos que desejavam ouvi-lo, surge na porta a conhecida cortesã. Como estava formosa! Os ondulados cabelos pelas costas, no rosto, expressão de esperança. Parou, atemorizada, diante de tantos desconhecidos, muitos deles, pobres de feições duras. Refez-se, seguiu até o Mestre, atirou-se-lhe aos pés suplicando por perdão. Não se atreveu a erguer a cabeça. Os homens, conhecedores de sua vida pregressa de escândalos e que se julgam superiores, por seus costumes puros, entreolharam-se estupefatos:

Como se deixa o Mestre tocar por essa mulher?

Conheciam eles, apenas, a observância ou não das regras. A dúvida invade esses corações endurecidos: "Se ele fosse realmente o profeta, saberia que é uma pecadora a que o toca". A jovem, comovida, só sabe reconhecer o imenso amor que brotava no seu coração por Ele. Reconhecia que o adorava, mas não como uma mulher ama um homem. Ela pressentia o mistério que o cercava, percebia o medo se apoderando dos corações. Pressentiam, eles, que algo muito grande estava prestes a acontecer.

A história consagrou o seu amor por Jesus como um amor sublime e sublimado. Quando no calvário, ajoelhada ao pé da cruz, Ele chamou-a por seu nome, ela respondeu: Raboni! (Mestre!)
Estava ela ali aos pés dele. Jesus olhava para ela. Contava a parábola do credor que tinha dois devedores... O Mestre silencia.

"Vês está mulher? Entrei na tua casa e não me deste água para lavar os pés; ela, porém, lavou-mos com suas lágrimas, enxugou-os com seus cabelos. Não me deste um beijo, e ela, desde que entrou, não cessou de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com bálsamo, ela ainda me ungiu os pés. Digo-te, pois, que muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou." Voltando-se para ela:

"Perdoados estão os teus pecados."

O assombro tomou conta de todos. Quem seria este que perdoa os pecados? murmuravam. Ao que o Mestre acrescentou:

"Tua fé te salvou; vai em paz." (Lucas: 7, 43-50)

Ela, desde então, abandonou seu palácio e adotou costumes severos. Os pontífices e fariseus, preocupados com os prodígios que Jesus fazia, decretaram sua morte e o procuravam para o prender. Dois dias antes da Páscoa, estando Ele em Betânia, ofereceram-lhe uma ceia, na qual servia Marta, estando, também Lázaro, presente. Surge, então, à porta, a arrependida com uma ânfora de perfume nas mãos. Derramou-o sobre sua cabeça, depois nos pés. Ajoelhou-se e ainda uma vez, enxugou com os cabelos os pés do mestre. Depois quebrou a ânfora preciosa. Toda a casa encheu-se com a fragrância do bálsamo.

Precipitaram-se os fatos, acontece a Paixão. A perdoada será encontrada, outra vez, aos pés de Jesus, no alto do Calvário. Na sexta-feira deu-se o sepultamento no Horto. No primeiro dia da semana, sendo ainda escuro, ela foi ao sepulcro e viu a tampa que tinha sido retirada. Correu avisar Simão e outro discípulo. Vendo-o vazio, voltaram para suas casas. Ela conservou-se em pé, da parte de fora chorando.

Jesus, então, pronuncia o seu nome. Ela, voltando-se, exclama:

Raboni

E Jesus acrescentou:

– "Não Me toques porque ainda não subi a meu Pai; mas vai a meus irmãos e dize-lhes que vou para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus."

Para que o Mestre dissesse – Não me toques! – Ela deve ter-se atirado para Ele ...

Até aqui estão registrados seus passos nos Evangelhos. Conta a tradição que os Judeus prenderam toda a família e os soltaram em barco sem velas nem leme, para que o eceano os tragasse. Deus teria guiado o barco para as costas da Provença, no sul da França. Ela preferiu a solidão do alto de uma montanha. Lá viveu cercada de anjos e em oração. A gruta recebeu o nome de Santo Bálsamo.

Fonte: do livro 'Elas, mulheres que marcaram a humanidade' de Lúcia Pimentel Góes

Nenhum comentário:

 
© 2008 Espaço dos anjos  |  Templates e Acessórios por Elke di Barros