sábado, 10 de outubro de 2009

A viúva Clicquot



Barbe-Nicole Clicquot Ponsardin
inventou a champanhe tal como se conhece hoje, expandiu seus negócios pelo mundo e criou um pioneiro sistema de distribuição de lucros entre funcionários, no século XIX. Temida pela concorrência, a viúva Clicquot deu novo significado à expressão "mulher de negócios".

Residência de madame Clicquot - Castelo em Boursault

Sempre que a aristocracia europeia do século XIX queria brindar com a mais pura espuma fervilhante de champanhe, pedia "la veuve" (a viúva). Não era preciso dizer mais. Todos sabiam que a senhora em questão era uma garrafa de Veuve Clicquot, o único espumante da época cristalino, doce na medida, cujas bolhas formavam delicada coroa ao chegar à borda da taça. Mas raramente madame Barbe-Nicole Clicquot Ponsardin, a viúva em pessoa, estava presente neste tipo de comemoração. Diferentemente da famosa bebida que tinha seu nome, não há notícia de que algum dia tenha saído da França; no máximo viajava a Paris, a 140 km de Reims, onde nasceu e trabalhou a vida inteira.


Com o tempo, tal invisibilidade social fez dela uma das mais ilustres desconhecidas dos últimos 200 anos. Hoje, poucos sabem que foi a primeira grande empresária internacional, responsável por transformar o vinho espumante em símbolo de bebida de luxo. Dessa mulher restou uma só imagem, estampada desde 1972 na tampa de metal dos 8 milhões de garrafas produzidas anualmente pela maison. O retrato pintado na década de 1860 por Léon Cognie, mostra uma octogenária vestida de negro. A imagem não condiz com a empreendedora trabalhadora, muitas vezes temerária, que fez de uma pequena empresa familiar um império proprietário de 275 hectares dos melhores vinhedos da região de Campagne.



Barbe-Nicole Ponsardin nasceu numa das mais ricas famílias de Reims. O pai Nicolas, fez fortuna no ramo têxtil (faturava o equivalente a 800 mil dólares por ano) e planejava para a primogênita um casamento com título de nobreza. A derrubada da monarquia pela Revolução Francesa em 1789 acabou com o sonho e ameaçou a vida da menina, de 11 anos, assim como a de toda a burguesia, identificada como inimiga do povo. Foi graças a ajuda da costureira da família que ela conseguiu fugir antes da invasão do Convento Real de Saint-Pierre-des-Dames, tradicional escola da elite. Disfarçada de camponesa, atravessou a pé a cidade com sua salvadora, que a escondeu em casa, na segurança do subúrbio pobre.


A genética também contribuiu. Dos 3 filhos de Nicolas, aquela ruivinha de olhos acinzentados foi a única que herdou sua capacidade de se adaptar às circunstâncias. Apesar de monarquista e católico fervoroso, monsenhor Ponsardin conseguiu cair nas graças do novo governo republicano, que considerava a religião um crime. Assim conservou a cabeça, o prestígio e a fortuna. Manteve a mansão na praça principal de Reims, onde foi realizada em 10 de julho de 1798 a cerimônia secreta do casamento religioso de sua filha com François, herdeiro do milionário produtor têxtil Philippe Clicquot.
Vizinhos desde a infância, imaginava-se que os noivos fossem amigos, o que explicaria a cumplicidade do casal. Sonhador e violinista talentoso com tendências a depressão, François, não se interessava por tecidos; queria construir fortuna com o comércio de vinhos. Os recém-casados quase nada sabiam de vinho, mas uniram forças e terras num plano ambicioso: abastecer o promissor mercado russo com o forte e adocicado espumante da região, muito ao gosto do czar Alexandre I. Uma bebida fina e exclusiva – o champanhe Clicquot. O primeiro carregamento ficou pronto para a venda, em 1803, quando Napoleão mergulhou a Europa num conflito que duraria 12 anos. Já não havia compradores nem dinheiro para bebidas finas. Entre as primeiras vítimas das guerras napolêonicas estavam a empresa dos Clicquot. François morre em 23 de outubro de 1805, devido a febre tifoide, mas circularam boatos de que teria cortado a garganta em desespero pela falência iminente. Aos 27 anos e com uma filha de 6 anos, Barbe-Nicole fez o que na época apenas a viuvez permitia a uma mulher: assumiu os negócios. Com o apoio do pai e do sogro, teve como sócio um amigo das famílias, o rico proprietário vinícola Alexandre Jérôme Fourneau.


Com o bloqueio as exportações imposto à França pelos portos europeus, diz sua biógrafa que a viúva "começou a brincar com a ideia" do contrabando. Até 1810, seu espumante chegou às cortes inimigas e aliadas a bordo de navios que não podiam transportá-lo. As garrafas tornaram conhecido e apreciado o vinho da viúva Clicquot. Forneau abandonou a sociedade depois de conseguir o capital que tinha investido. Para manter viva a agora Veuve Clicquot Ponsardin e Companhia, produziu vinho tinto barato para o mercado interno, vendeu todos os colares de raras pérolas rosadas e um fabuloso diamante avaliado em 60 mil dólares (valor atual), dispensou funcionários, encheu as adegas com a fabulosa safra de 1811. Em abril de 1814, quando Napoleão abdicou, foi a primeira a chegar aos mercados que se abririam em breve. Quando Alexandre I anunciou o fim do embargo à Franca, 10 550 garrafas de Veuve Clicquot 1811 já estavam no porto prussiano de Konihsberg (perto de São Petersburgo) e outras 12 780 a caminho. Disputadas a peso de ouro, foram vendidas pelo equivalente a 100 dólares cada uma. Foi o único champanhe servido no aniversário do rei prussiano e saudado como o melhor do mundo – e começou a tornar madame uma das mulheres mais ricas da época.


Menos de 2 anos depois ela faria com que todos se curvassem também à sua competência técnica ao inventar o remuage – processo usado até hoje para melhorar a qualidade da champanhe removendo os resíduos que o deixam turvo, diminuindo o tempo e os gastos de produção; técnica para armazenar garrafas de cabeça para baixo, permitindo eliminar rapidamente os resíduos acumulados durante a segunda fermentação, essencial para a formação de bolhas. Por quase uma década, essa descoberta foi mantida em segredo, graças ao respeito que ela inspirava e a um sistema de participação nos lucros a empregados em posições-chaves.

















































































Além do trabalho, a viúva tinha 3 paixões:
  1. romances de cavalaria
  2. comprar e decorar casas e
  3. homens jovens e bonitos
Ao se aposentar, aos 64 anos, em 1841, deu 50% da Clicquot a um dos seus protegidos, Édouard Werlé, um alemão que ela preparou para sucedê-la. Ela sabia não ter herdeiros para tocar seus negócios (após sua morte a casa foi administrada por Werlé e seus descendentes até ser comprada, em 1986, pelo grupo multinacional Louis Vuitton Moet Hennessy). Só a bisneta Anne mostrava tino comercial, mas preferia moda a champanhe. Para ela escreveu uma carta que é um autorretrato:


  • "Minha querida (...) você, mais do que ninguém, se parece comigo, pela audácia. É uma qualidade que me valeu muito... hoje sou chamada a Grande Dama do Champanhe! O mundo está em perpétuo movimento e precisamos inventar o amanhã. É preciso passar à frente dos outros, ter determinação e exatidão e deixar a inteligência conduzir a sua vida. Aja com audácia".







Barbe-Nicole morreu em 29 de julho de 1866, aos 89 anos, em seu castelo em Boursault, vale do Marne. Na época, 750 mil garrafas de Veuve Clicquot eram vendidas no mundo inteiro. Realizara o sonho do marido François e até o de seu pai – todas as mulheres da família ostentam títulos de nobreza – as irmãs por casamentos; ela porque, como disse o escritor Prosper Mérimée, era "a rainha não coroada de Reims".

A historiadora americana Tilar J. Mazzeo reuniu em um livro algumas informações da "viúva": A Viúva Clicquot – A História de um Império do Champanhe e da Mulher que o construiu (Ed. Rocco)



Origem: Revista Claudia nº 10 ano 48 - outubro 2009 e gowheregastronomia.terra.com.br

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